
Ai entra a questão da loucura. A loucura, na verdade, não existe. Oque existe são pontos de vista. Portanto, "louco" é aquele que extrapola o senso de normalidade de determinado ponto de vista. Por exemplo: uma madame desocupada que passa horas a fio dando audiência para os mais variados programas televisivos pode achar um tanto quanto ultrajante a figura de um sujeito com o corpo todo tatuado e coberto de "piercings" esmurrando um telefone público. "Seu louco, depravado, delinqüente!" - gritará ela em alto e bom tom chamando a atenção das freirinhas que já acompanhavam a cena atordoadas. O que ela (a madame adoradora de atrações televisivas) não consegue compreender, é que a forma com a qual o "louco" lida com a vida é totalmente oposta à visão de mundo dela. Com esses atos, ele poderia estar querendo descontar todo o seu repúdio em relação ao mundo sórdido em que vive.
"...delinqüente!". Logo após proferidos os insultos, o rapaz se vira em direção à amável senhora que insiste em "amaciar" os seus ouvidos e analisa o seu semblante. Percebe que ela está vestindo, ou melhor, ostentando uma camiseta do "Domingo Legal", programa que todos nós sabemos, de inquestionável qualidade e com nível de excelência em quesitos educativos. O simples fato de ter a audácia de vestir tal camiseta, conclui o rapaz, demonstra que a sua usuária deve ser uma fã inveterada do programa homônimo, oque, para ele, é um ato declarado de "loucura". Afinal, como alguém pode ceder seu tempo e atenção para um programa que visa manter massas populacionais na completa ignorância, sufocando o espectador com o banal e reproduzindo essa banalidade nos produtos supérfluos que são veiculados no seu espaço comercial? Trata-se de uma "louca". Veja que, para o rapaz a madame é louca, pois extrapola o seu senso de normalidade. Para ele, normal é se rebelar contra oque, do outro lado, provoca regozijos extasiantes na madame. São criaturas paradoxais.
Mas, como é inato à espécie humana, cada um acredita ser onipotente, ter o melhor gosto, a melhor opinião sobre determinado assunto, o melhor raciocínio, ou seja, não é difícil imaginar o final dessa estória. Após terminado o serviço com o telefone, o rapaz empenhou-se em esmurrar outra coisa.
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