No Brasil - terra farta para a futilidade - para algo ser banalizado e esvaziado completamente de seu senido original, não é preciso muito esforço. E um dos exemplos mais recentes desse fenômeno (veja que são muitos), certamente é o caso "reverendo".
Desde o início, essa iniciativa já estava fadada ao fracasso. Comerciais insuflados de apêlo sentimental - notadamente, um recurso televisivo muito eficaz de persuasão em massa; discursos demagógicos e mal-esclarecidos por parte dos representantes políticos; e, como não havia de ser diferente: a tão notória banalização. Essa campanha idiota, organizada por idiotas, se transformou numa cruzada idiota entre dois campos antagônicos: a frente pelo "SIM" contra a frente pelo "NÃO" - quanto a ordem, escolha a que melhor lhe cabe.
O que estava por trás disso tudo? Desarmar a população; "votar pela vida"? E por acaso o crime organizado está sendo desarmado? Políticas de desenvolvimento sustentável estão sendo postas em prática para assegurar uma vida dígna às gerações vindouras? O equivocado modelo de capitalismo selvagem sujeito aos canônes do imperialismo está sendo abandonado para investir-se num modelo desenvolvementista autônomo e não nocivo ao meio social e ambiental? Os velhos paradigmas deterministas que atravancam todas as esferas da vida social estão sendo abandonados? A represão aos sentimentos primais, um dos caminhos para a violência, deixou de ser um "tabu"? Pois...não. Esses e tantos outros traços sórdidos que formam o arcabouço "civilizatório" contemporâneo estão longe de seus respectivos fins, e, como tal, a violência social também o está. E não é um estúpido referendo que vai contornar todos esses problemas em um piscar de olhos.
O que está por trás disso tudo é o conceito de "democracia tupiniquim". Simplesmente, ainda não se sabe ao certo o que se entende por essa palavra tão esvaziada de seu sentido original. O Brasil, cordial vassalo que é, cedeu aos caprichos do neoliberalismo e aprendeu direitinho a lei do estado mínimo. E esse referendo é a prova morta disso tudo. Infeliz em suas tentativas de contornar o problema do recrudescimento da violência e da guerra civil já há muito instalada, a classe política abdica de seus deveres e joga a responsabilidade nas costas da população, sob o véu sujo do pretexto democrático: "ora, estamos numa democracia benevolente e damos aos concidadãos o direito de escolher entre a vida ou a morte" (e foi propiamente por ai que se enveredou essa patacoada toda).
Porque então, pergunto eu, os tão afáveis políticos não lançam referendos para votar o aumento do salário mínimo, para votar punições efetivas contra qualquer crime de corrupção, ou mesmo referendos que pulverizem as infâmes regalias da parasitária classe política, como ganhar mensalinhos (além de mensalões) para comparecer na votação de novas emendas? "Porque a população não tem esclarecimento suficiente para votar questões tão delicadas como essas", diriam no mais fino sarcasmo com seus dentes felinos amarelados de carne crua. Boa tentativa, calhordas.
Picuinhas:
Ironia do destino: fomos autoritariamente obrigados a votar um referendo que é uma escamoteada voz contra a violência. Até onde eu sei, o autoritarismo é um ato de violência.
Na próxima votação, qualquer que seja, vote nulo: o melhor candidato que você pode eleger.
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