segunda-feira, novembro 28, 2005

A Revolução de cada um

Nos idos de 1859, um viajante espanhol encontrou em remotas aldeias cubanas máquinas de costurar fabricadas nos Estados Unidos. Mal sabia o peregrino que as futuras principais ruas de Havana viriam a ser calçadas com blocos de granito de Boston. Ainda que a ilha fosse uma colônia espanhola, a bandeira que mais se via por aquelas comarcas era aquela das listras vermelhas e estrelas. Os Estados Unidos já dominavam um terço do comércio cubano naquela época. Ao raiar do século XX era possível ler no Louisiana Planter: "Pouco a pouco, a ilha de Cuba vai passando para as mãos de cidadãos norte-americanos, o que é o meio mais simples e seguro de conseguir a anexação aos Estados Unidos."
Cuba pulou de um colo para o outro: deixou de ser uma colônia espanhola para cair nas presas do imperialismo norte-americano. Passou de um típico entreposto de produção açucareira, para, além disso, servir de curral para interesses comerciais yankees de toda a sorte. Cassino a céu aberto, território da máfia e do tráfico de drogas onde o sócio era o presidente, olympo da prostituição infantil; Cuba tinha em 1958 mais prostitutas registradas que operários mineiros. Treze engenhos norte-americanos controlavam mais de 47% da área açucareira total e levantavam por volta de 180 milhões de dólares em cada safra. Estranhos eram os ofícios que a fome e o desemprego obrigavam: catador de grilos nas semeaduras. Enquanto isso, a ilha importava sorvetes de Miami e jantares de luxo de Paris. É claro que à população em geral, não chegavam nem as migalhas.
"Cuba continua sendo uma feitoria de matéria-prima. Exporta-se açúcar para importar caramelos (...)", diria aquele que a história absolveu: Fidel Castro Ruz. Quando a Revolução triunfou em 1959, o desenvolvimento industrial de Cuba era pobre e lento, as escassas fábricas modernas eram teledirigidas dos Estados Unidos e os raros técnicos evadiram-se com a chegada dos barbudos ao poder. Mais da metade da população das áreas rurais não tinha o menor acesso a infra-estruturas de saneamento básico, nem mesmo a fossas. Cinqüenta por cento das crianças não ia às escolas. A ignorância era mais disseminada e muito mais grave do que o analfabetismo, como denunciara Fidel tantas vezes.
Cuba tinha de caminhar por uma vereda acidentada numa época em que faltavam-lhe os sapatos. As dificuldades advindas do Bloqueio econômico, político e cultural endossado pelos Estados Unidos eram flagrantes. Os primeiros passos foram dados. Castro tomou medidas tidas por radicais desde o princípio: lançou a Lei da Reforma Agrária, Lei de Nacionalização do Ensino, Lei da Reforma Urbana e Leis de Nacionalização de empresas multinacionais, sobretudo norte-americanas.
No início dos anos 60, os "brigadistas" saíram pelo país ensinado a população a ler e a escrever. Eram cem mil jovens voluntários tomando contato com o campesinato numa atitude de solidariedade digna de aplausos. Hoje, a bandeira cubana vem estampada com uma faixa ao centro: "Cuba: Território livre do analfabetismo". A medicina foi socializada e a rede hospitalar ampliada. Antes de 1959, tempos do sanguinolento regime do ditador Fulgêncio Batista, existia apenas um hospital rural em todo o país, em Las Ventas de Casanova.
Em Cuba todos são compañeros. A diferença entre o menor e o maior salário não é muito alta e todos são tratados com a mesma cordialidade. É possível ver modestos operários e cortadores de cana em hotéis de luxo desfrutando as férias merecidas ao lado de chanceleres e diplomatas. Existe uma coesão em torno da Revolução; é uma conquista de todos com plena adesão popular.
Não é por menos que Cuba é um país a parte em todo o mundo. Execrado por uns, idolatrado por outros; não importa. O que vale dizer é que Cuba conseguiu superar os flagelos do subdesenvolvimento. O país é pobre, não há dúvidas. Mas os cubanos não passam fome e podem se deitar em suas camas ao fim de um dia de trabalho. Cuba encontrou o seu próprio caminho que condiz com os interesses de seu próprio povo, e não o de terceiros. O país rompeu com as correntes do imperialismo por descobrir que a vida dos seres humanos não pode ser organizada de acordo com as leis do mercado. Do contrário, não é organização. Não é vida.

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