quarta-feira, fevereiro 20, 2008

O teatro coercitivo aristotélico

Arte, segundo nos diz o dicionário Aurélio, é a capacidade de criação humana com vistas à obtenção de um resultado.

Toda e qualquer arte é a transfiguração da realidade cognitiva para a realidade concreta, processo no qual o artista recria a realidade sob a sua ótica pessoal e lança sua criação no espaço físico sob a forma de obra de arte, que é então assimilada ao campo da cultura. Entre os mais sarcásticos, diz-se que “nada se cria, mas tudo se copia”. Em um tom um pouco menos mordaz, cabe salientar que o que ocorre é o fato de a criação seguir um percurso cíclico, em que aquilo criado no passado servirá de estímulo para criações futuras, que por sua vez serão úteis a investidas culturais posteriores. Segundo Hegel, em sua Introdução à história da filosofia: "O conteúdo desta tradição é formado por tudo quanto o mundo espiritual produziu, e o espírito universal nunca permanece estacionário". Por "mundo espiritual" entende-se o conjunto das colaborações da razão ao longo dos séculos.

Certas artes, portanto, na esperança de alcançar determinados resultados (como já salientado no primeiro parágrafo), são de grande serventia aos princípios ideológicos universais, tendo em vista o termo ideologia como um conjunto de normas, regras e valores que prescrevem a determinada sociedade como esta deve se comportar, procurando explicar as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais explicar que isso ocorre por causa da divisão social em classes. Nesse sentido, ideologia se equipara a ilusão, uma vez que mascara a realidade social tal qual ela se constitui de fato.

Aí chegamos a um impasse: não podendo reverter as desigualdades sociais, e na impossibilidade de se manter todos os cidadãos constantemente contentes, impera aos setores dirigentes ao menos mantê-los constantemente reprimidos. É precisamente aí que se encaixam as artes coercitivas segundo o modelo aristotélico tradicional. Essas artes, cujas raízes reportam-se às tragédias gregas da Antigüidade Clássica, oferecem um conteúdo moralizante aos espectadores, cuja função é promover a purgação (catarse) dos sentimentos anti-sociais. Ao se deparar com o desfecho, por assim se dizer, trágico, do protagonista, o espectador, terrificado, procura se adequar aos padrões de conduta moral estabelecidos pelo coletivo para não levar o mesmo fim que aquele pobre diabo agonizante dos palcos.

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