sexta-feira, março 12, 2010

A paixão de Stella (reloaded)

Esse texto é dedicado a todos aqueles que ficam se guardando para o futuro, ou seja, um lugar inexistente.

"Que mistérios tem Clarice
para guardar-se assim tão firme no coração?"



Toda manhã era o mesmo ritual. Já era hora, agora estava a lixar as unhazinhas de felina, que hoje vinham rosas. Da esquerda para a direita da direita para a esquerda. Um risc, risc, risc que acendia centelhas nos lascivos olhos masculinos que circundavam a figura nuclear da provocante Stella. Em todo o seu fazer e agir havia uma marcante fragrância de sensualidade que dificilmente esmorecia no ar, dado o toque de zelo libidinoso com o qual executava a mais simples tarefa.

Acostumara-se a ser o centro das atenções. Acostumara-se a conquistá-lo. Stella era escrava de sua sensualidade inata. Os machos sempre eram atraídos inebriados pelo seu perfume, como quem se perde de amores no canto da sereia. Estavam sempre a adular-lhe com palavras de afago e gestinhos bestas que não passavam de meras convenções comunicativas. No fundo só queriam acobertar suas intenções sexuais com Stella. E ela sabia disso. Sabia, mas respondia na mesma altura de seus agressores, com sorrisinhos hipócritas de comprazer. “Pff, pobres primatas”, pensava com asco no estômago.

Passados cinco minutos Stella já se exasperava. Os olhos aflitos postos no horizonte infinito do quadro negro. Eram mais cinco dos cinco minutos mais longos de sua vida. Ninguém a notara, ninguém a havia desejado nesse asfixiante espaço de tempo. Será que a aula era mais interessante que o seu belo par de coxas brilhantes? Coxas firmes, lisas e morenas, como pede o receituário do comercial: gente eternamente jovem, feliz e com sorrisos irritantemente brancos. Precisava fazer alguma coisa. Mas, entre o pensar e o agir, já se via automaticamente a cruzar as pernas lentamente procurando valorizar ao máximo o momento, enquanto os olhinhos de ave de rapina já flagravam no entorno quantos espectadores acompanhavam o espetáculo. "Oito!", calculou ela com a experiência de quem já é especialista no assunto. Oito coitados já estava de bom tamanho para uma pequena apresentação como essa. Já se sentia melhor. Alívio.

Stella não era dada às baixezas do sexo. Como poderia entregar seu corpo, o seu belo corpo, seu amado corpo – e acima de tudo SEU – a um estranho qualquer? Não. Stella era egoísta demais para uma extravagância como essa. Era tão apaixonada por si própria que estava condenada a ser eternamente sua, prisioneira de seu narcisismo compulsivo que se alimentava do desejo de ser desejada. Mas, mesmo sabendo que o era, isso não era o bastante, pois ela consumia grande parte do seu tempo tentando chegar a essa mesma conclusão por meio da sensual personagem que interpretava. Dia após dia, hora após hora.

Não sem tempo, agora estava passando o batom avermelhado nos lábios carnudos. Da esquerda para a direita, da direita para a esquerda num movimento que acendia centelhas nos lascivos olhos masculinos que circundavam a figura nuclear de Stella.

2 comentários:

Unknown disse...

isso sim é um texto, nao o que a stella poeta fez. heheh

Veri. disse...

realmente um belo conto. congratulaçoes!