sexta-feira, julho 23, 2010

Tão só

Júlia já estava lá há algum tempo e Júlio decidiu abordá-la. E com ela conversou sobre o tempo. Sobre como o tempo mudara nos últimos anos, e como a temperatura havia aumentado, sobre os desequilíbrios ecológicos e as estações do ano todas embaralhadas. Uma sensação desagradável, misto de impotência e desesperou tomou os dois de assalto. Júlia não se despediu dessa vez e desconectou-se. Talvez a conversa a tenha feito mal.

Laura chegou em seguida, e por ela ele tinha uma queda especial. Direcionou a conversa para o lado mais sensual tentando a conquista. Ela se esquivava, como em geral as mulheres se esquivam, mas não o repelia e muito menos o censurava, deixando-o à vontade para flertar e sentindo-se bastante à vontade para ser admirada. A conversa prosseguiu por algumas horas, até que Laura se despediu com sono e foi se deitar.

Mas nesse ínterim o diálogo com Carla também pendia para o lado amoroso, e ia esquentando mais e mais. Carla era mais desinibida e não fazia cerimônias quando se tratava de um programa a dois, ainda mais em se tratando de Júlio, cujas fotos já lhe despertaram o desejo muitas e muitas vezes nas solitárias noites de fim de semana que ela passava sozinha em casa. Estava louca para se entregar a Júlio, mas como, se cada um morava num canto do país? Sentia-se próxima e ao mesmo tempo tremendamente distante. E se resignava com um suspiro como que querendo mais calor nessa vida tão fria.

Carla pensava em Júlio, e enquanto isso Júlio discutia um trabalho da faculdade com Jorge. Estavam lascados. A entrega era dali a dois dias e ainda nem sequer tinham começado. Mas Júlio se despediu de todos e foi dormir.

Estavam tão aproximados pela tecnologia e no entanto tão distantes de suas humanidades.

Já ia além das quatro da manhã. Precisava dormir. Precisava de uma pausa qualquer. Precisava acordar no dia seguinte e pensar que tudo seria diferente e renovado. Mas mesmo na cama, cansado, todos aqueles pensamentos recorrentes vinham de volta a lhe chicotear o dorso. Pensava nas pessoas, principalmente nelas. Estava obcecado por pessoas e o emaranhado complexo de suas vidas. Olhava as pedras, as nuvens e as dobras de sua calça e via nelas rostos de pessoas de todos os jeitos e tipos: alegres, tristes, ternas, sardônicas. E parou para pensar. Pensou nos amigos, nos familiares, nas pessoas mais próximas e concluiu que eram todos estranhos a ele. Todos distantes e desconhecidos. Cada um dentro do seu personagem, dentro da sua própria solidão. E ele teve medo, pois sentia-se só nesse mar de incompreensão. E todos eles, todas as madrugadas, recostavam suas cabeças confusas sob seus travesseiros e se descobriam como Júlio, desconhecidos a si próprios, vazios de qualquer razão ou entendimento.

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