sábado, setembro 04, 2004

Faces da morte: sessão das dez

Assistindo ao" jornal das dez" da filial da rede bobo, "Bobo News", não pude deixar de notar uma certa semelhança entre o jornal e o filme "Faces da Morte". Vou logo dizendo que não assiti a essa pérola cinematográfica, mas o nome sugere o conteúdo. Voltando ao jornal, posso dizer que do total de uma hora de programação, cerca de 95% do conteúdo veiculado estava diretamente associado ao tema morte. Seqüestros, atentados terroristas, conflitos étnico-religiosos, tiroteios aqui e acolá, enfim, o sangue ficou doce, virou "catch-chup".
Como quem dá uma esquivada intencional, o jornal bobo-sanguinolento veiculou um pacotão de notícias dos mais variados assuntos sem o menor nexo entre sí nos últimos cinco minutos, apenas para que o espectador não tentasse cometer o suicídio. Pude ficar sabendo, por exemplo, que o Giba doôu uma camisa da seleção brasileira de vôlei a um hospital de crianças com câncer. Mas que gesto nóbre. Sim, certamente as crianças ficaram alegres, mas não deixaram de ter câncer por causa disso. Logo, qual a utilidade de veicular uma notícia como essa? Não que as notícias precisem necessariamente ter um fundo poético e uma estrutura argumentativa delicada, mas espera lá. Qual é a ligação entre a camisa autografada do Giba e os atentados terroristas na Rússia?
Mas, afinal, quem ganha com isso? Não consigo achar outro motivo para o sensacionalismo barato dos telejornais senão a resignação. A resignação do espectador comum cujo senso crítico dorme em sono eterno. Parece clichê atribuir a culpa de um aspecto comportamental ao mercado, mas acredito que essa seja a explicação mais plausível. Michael Moore, diretor cinematográfico e escritor, explorou muito bem esse fenômeno em seu excelente filme "Tiros em Columbine". Neste, fica explícito que a mídia norte-americana, em especial a mídia televisiva, que atinge o maior número de espectadores, manipula a população constantemente ao veicular notícias cujo mote principal é a morte. Como "eles" somos "nós" amanhã, o resultado dessa orgia de projéteis recai sobre outros países, tornando o termo "telejornal sensacionalista" em mera redundância.
O ingênuo telespectador que absorve essa podridão presenciada na TV torna-se uma pessoa amarga, com eterna sensação de medo. Ele não desconfia do que assistiu, pois, "se saiu no jornal é porque é verdade". E é ai que as coisas se encaixam. Vivendo acuadamente e com a morte à espreita, o ingênuo telespectador trata de abrir a carteira. Para os telejornais é interessante que os publicitários anunciem em seus horários comerciais; para os publictários é interessante que os espectadores comprem os produtos anunciados, que uma vez consumindo estarão mantendo a sustentabilidade do telejornal; para os espectadores é interessante, a vida. Não há nada mais importante do que a vida, e o sensacionalismo a banaliza, transforma a morte em entretenimento. Dessa maneira, o espectador subentende que deve mais é aproveitar a vida pois a qualquer momento pode sucumbir à lâmina fria da foice. Como aproveitar a vida é sinônimo de consumo, ele trata de consumir o maior número de mercadorias possíveis e movimenta a economia, o alicerce das sociedades contemporâneas. Certamente, isso tudo não é obra do mercado, mas dos mercados. Em um mundo onde até rins, fígados e órgãos em geral viraram ítens de consumo, por quê não seria possível agregar um valor comercial à vida?

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