sábado, outubro 16, 2004

A paixão de Stella


Toda manhã era o mesmo ritual. Já era hora, agora estava a lichar as unhazinhas de felina, que hoje vinham rosas. Da esquerda para a direita da direita para a esquerda. Um "risc,risc,risc" que acendia centelhas nos lascivos olhos masculinos que circundavam a figura nuclear da provocante Stella. Em todo o seu fazer havia uma marcante fragrância de sensualidade que dificilmente esmorecia no ar, dado o toque de zêlo libidinoso com o qual executava a mais simples tarefa. Acostumara-se a ser o centro das atenções. Acostumara-se a conquistá-lo. Stella era escrava de sua sensualidade de nascença.Os machos a sua volta, enebriados pelo seu perfume traiçoeiro, estavam sempre a adular-lhe com palavras de afago e gestinhos bestas que não eram sinais fraternos como aparentavam, mas apenas convenções comunicativas que tinham por função acobertar suas intenções sexuais com Stella, e ela sabia disso. Sabia mas respondia na mesma altura de seus agressores, com sorrisinhos hipócritas de comprazer.Já se passaram cinco minutos - pensava ela com os olhos atordoados fitando o horizonte limitado do quadro negro. Eram mais cinco dos cinco minutos mais longos de sua vida. Ninguém a notara, ninguém a havia fitado nesse asfixiante espaço de tempo. Será que a aula era mais interessante que o seu par de coxas brilhantes? Precisava fazer alguma coisa. Mas, entre o pensar e o agir, já se via automaticamente a cruzar as pernas lentamente procurando valorizar ao máximo o momento, enquanto os olhinhos de ave de rapina flagravam no entorno quantos espectadores acompanhavam o espetáculo. "Oito!" - calculou. Oito coitados já estava de bom tamanho para uma pequena apresentação como essa. Já sentia-se melhor.Stella não era dada às baixezas do sexo. Como poderia entregar seu corpo, seu belo corpo, seu amado corpo a um estranho qualquer? Não, Stella era demasiado egoísta para uma extravagância como essa. Era tão apaixonada por sí própria que estava condenada a ser uma eterna refém de seu narcisismo compulsivo que se alimentava do desejo de ser desejada. E, mesmo sabendo que o era, consumia grande parte do seu tempo buscando chegar a tal conclusão por meio da sensual personagem que executava.Já era hora, agora estava passando o batom roxeado nos lábios carnudos. Da esquerda para a direita, da direita para a esquerda num movimento que acendia centelhas nos lascivosolhos masculinos que circundavam a figura nuclear de Stella. E eu aqui, a observá-la, nessa habitual sala de aula.

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