sexta-feira, setembro 02, 2005

Uma noite

Foi quando então eu vi aquela doce criatura entrando no recinto. Sua pele era tão alva quanto os seus dentinhos bem acomodados naquela boca insinuante. Parecia estar bem confortável com os seus vinte e tantos aninhos de idade. Entrou com o olhar fixo em um único ponto, não virou um momento sequer. É possível que tenha me notado com o canto dos olhos, mas mesmo que assim sucedesse, ela ainda era uma mulher, e a lei natural entre as mulheres de todas as espécies simplesmente a impedia de me abordar com qualquer outra parte do corpo que não fossem os olhos. Sentou-se e logo fez um gesto que lhe foi respondido com um copo de um drinque qualquer que eu desconhecia. Limitou-se então a mirar os seus joelhos enquanto sugava docilmente com dois canudinhos coloridos o álcool despudorado que queimava-lhe o esôfago sem pedir licença. Decidi que queria atracar aquela bela figura que repousava sobre os meus olhos. Um furor lascivo me subia a espinha. Mas logo perdeu o calor quando defrontado com a implacável censura de minha consciência. Sentia como se houvesse um padre governando os meus sentidos: "ora vá lá, cortejê-a. E tão logo será o seu retorno desalentado quanto o 'não' peremptório que receberás". Hesitei. Parei para iniciar uma nova linha de pensamento mas ví que só restara então a espuma da cerveja. Fiz um sinal para o garçom atrás do balcão e sabia que ele ignorava a minha presença, pois a revistinha de belas senhoritas em pêlo que ele folheava com os olhos salivantes certamente era mais interessante que a minha figura mal acabada. Bati com o copo mais forte dessa vez e percebi que a garotinha alva parara de fitar os joelhos por um instante para descobrir a origem do ruído, mas certamente era uma pura manifestação de reflexo. Ela não havia de querer nada comigo. O garçom entendeu o que se passava por alí, e, dominado por um inevitável mau humor perante o desconforto de sua existência miserável, somada à minha presença desagradável e meus anseios mundanos que envolviam a sua pessoa, acabou abandonando por exatos 12 segundos as suas raparigas em flor para me servir servilmente. "Da próxima vez faça-o sozinho!" - imperou voltando as costas para mim. Fingi que não houvi e me limitei a mirar o ritmo das formas descompassadas que a espuma projetava sobre o balcão. A garotinha alva olhou novamente sobre os ombros e percebi que aquelas botinhas de couro ficavam muito bem em suas pernas singularmente brilhantes. Um furor lascivo me subiu a espinha. Mas objetei que certamente ela me olhara pois não havia ninguém mais no recinto além de nos três, e isso não significava nada. Era indiferente. Além do mais ela era uma mulher, e tinha um pacto de silêncio com as suas companheiras. Certamente haveriam duas possibilidades caso eu a abordasse: um sim e um não. O não era mais provável, mas, ainda sim, a possibilidade de um "sim" não estava descartada. Imaginei que se fosse imposto um "não", isso haveria de me provocar um certo distúrbio que tornaria uma eventual próxima abordagem ainda mais difícil em virtude de minhas circunstâncias emocionais abaladas. Por isso achei mais sensato que a minha única acompanhante naquela noite fosse a cerveja. Mas o meu pênis parecia estar em confronto com o meu cérebro, ou melhor, com o padre que o governava. De onde surgira esse maldito sacristão se eu nunca fui dado aos pudores e valores eclesiásticos? Ao contrário, sempre mantive distância desse ambiente e nunca pude deixar de nutrir certo asco por tal. Que pudor todo era esse? Por quê viver de medos presentes, anseios futuros e angústias eternas? Decidi que definitivamente eu deveria abordar aquela bela garotinha alva que mexia com os meus sentidos, afinal, só se vive uma vez. Mas eu conservara a cabeça abaixada e os olhos firmes na espuma durante tanto tempo, que não vi o momento em que ela foi embora. Seu único resquício agora eram as notas amassadas no balcão que ainda conservavam o seu perfume. Olhei nos entornos e vi que o garçom havia seguido para algum lugar mais reservado com as suas garotas. Decidi ficar com as notas então, as minhas e as dela. Fechava-se então mais uma página de mais uma conquista mal sucedida em minha vida. Peguei as notas e beijei-as com paixão imaginando serem as pernas singularmente brilhantes da garotinha alva. Um furor lascivo me subiu a espinha.

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