quinta-feira, setembro 20, 2007

Maria

Maria nunca deu para boa esposa. Quando pequena, andava muito curvada e mais parecia que sustentava o peso dos anos nas costas. Passadas algumas primaveras e chegada a mocidade, Maria curiosamente envergou ao contrário, assumindo o aspecto de uma árvore espichada cujos ramos formavam uma vasta cabeleira.
Maria bem que tentou um bom marido arranjar. Toda quinta-feira corria para o bailinho da praça na esperança de que naquela noite tiraria a sorte grande. Empoleirava-se em um canto escuro com as mãos entrelaçadas sobre o ventre, secando caprichosamente o polegar engordurado no vestido branco de bolinhas vermelhas. Tinha boa aparência, apesar dos bigoditos felpudos que despontavam timidamente nas laterais do lábio superior abaulado. As narinas esgarçadas eram dois túneis escuros e vigilantes que se aproximavam da boca a cada palavra anunciada como que querendo inspecionar o odor de seu conteúdo. Os antepassados mouros legaram-lhe duas sobrancelhas robustas, que pareciam dar as mãos graciosamente formando aquilo que na linguagem dos violeiros se entende por pestana. Seria a mais bela dama da vila, não fosse pelos olhos afastados, que, talvez por não se entenderem muito bem, deram as costas um ao outro para sempre, sem ser possível àquele que passava a vista por Maria saber se ela os havia deitado em algum ponto do horizonte ou no botão da camisa de alguém.
Aliás, os olhos de Maria eram como duas órbitas flutuantes preenchidas de insondável e negro mistério. Com o tempo, foi ficando cada vez mais enigmática à medida que uma quinta-feira engolia a outra em um ciclo de eterna esperança. Os lábios vermelhos e carnudos, antes repletos de canções, deram lugar ao silêncio dos moribundos e secaram. O inverno que tomou conta de seu ser converteu os troncos em minguados galhos secos. Maria voltou a andar curvada, como uma flor que desabrocha em um campo sem sol. E os sinais do tempo bateram mais cedo à porta de seu rosto, trazendo consigo manchas escuras, nesgas de fios de prata nos cabelos das têmporas, reentrâncias sinuosas na testa e um suspiro de desalento duma calmaria desesperadora.

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