domingo, julho 08, 2007

De Shakespeare à Coppola: as semelhanças entre Ricardo II e O poderoso Chefão

Ricardo II é uma peça repleta de dilemas, sobretudo naquilo que diz respeito ao que é "de jure" e ao que é "de facto" , isto é, ao que é de direito e ao que é feito na prática. Ricardo é um rei perdulário que gasta demais satisfazendo aos próprios caprichos, mantém uma série de bajuladores na corte, envolve o país em guerras desnecessáias, confisca os bens de nobres poderosos, e, ao menor sinal de perigo, se encolhe e recorre à fantasia. Sua inépcia no trato administrativo acaba por lhe custar a coroa e a vida. O que era "de jure" se torna "de facto" na medida em que o direito divino de exercer o poder concedido a Ricardo pelos céus passa, na prática, para as mãos de seu primo Henrique de Bolinbroke, em cujo entorno se forma um grande poder "de facto" patrocinado por nobres descontentes com os tropeços de Ricardo. Em O poderoso chefão temos os mesmos dilemas transportados alguns séculos no tempo. Santino, o filho primogênito do padrinho Don Vito Corleone, é o mais provável sucessor do pai nos negócios da família. Mas Santino é, à semelhança de Ricardo, um péssimo governante; não por incorrer nos mesmos erros do rei deposto, mas por conta de sua personalidade impetuosa. Santino não raciocina bem e age muito mais em função do que lhe diz o coração do que aquilo que pondera a consciência. Ele é guiado pela moral. Ora, mas as qualidades de um bom líder não estão necessariamente ligadas aos princípios morais, mas àquilo que é mais adequado à situação momentânea. Eis que, num desses acessos de moralidade, Santino vai em socorro da irmã agredida pelo marido e cai na armadilha que o leva direto do trono para a tumba. Na prática, ou "de facto", Michael (Al Pacino) assume o lugar do irmão. Este sim, um líder ponderado, inteligente e pragmático, que dá um passo de cada vez, o que lhe permite sempre estar um passo adiante daqueles que querem a sua cabeça. Michael é muito competente ao lidar com os negócios da família, mas aos poucos vai perdendo a mão da família nuclear, aquela com mãe e filhos - contradições de um mundo dicotômico.

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