terça-feira, setembro 08, 2009
Rota 66, um resumo
Eis aí um livro muito bom. Além de bem escrito, trata-se de um excelente trabalho de apuração jornalística. Retrato das crueldades de um Brasil que não se mostra à luz do dia.
A Polícia Militar (PM) foi criada em 1970 para combater os movimentos guerrilheiros. Mesmo depois de vencida a guerrilha, quatro anos depois, a PM continuou existindo e passou a fazer o patrulhamento das cidades. Em São Paulo existe uma divisão da PM conhecida como Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar). Em tese, a Rota é um batalhão de elite encarregado de missões especiais e arriscadas, mas, na prática, a verdade é outra. A Rota não passa de um sanguinário batalhão de extermínio de gente pobre.
Depois de dois anos de pesquisas, Caco Barcellos criou um Banco de Dados para estabelecer o perfil da vítima padrão da Rota. Sua pesquisa se baseou principalmente no Diário Oficial do IML (Instituto Médico Legal)e nos registros de vítimas de crimes cometidos pela Polícia Militar no Jornal Notícias Populares. Depois de analisar 3.523 casos de assassinatos praticados pela PM, ele chegou ao seguinte perfil: jovem, pobre, pardo, morador da periferia, em torno dos 20 anos, trabalhador de baixa remuneração.
O caso Rota 66 é o único que foge desse padrão. Nesse caso, três jovens brancos e moradores do Jardins, um dos bairros mais abastados da capital paulista, foram perseguidos e executados pelos PM’s. Os policiais desconfiaram que o carro que eles dirigiam era roubado – como se isso justificasse a execução – e os perseguiram até encurralá-los na rua Buenos Aires, onde os executaram com rajadas de metralhadora. O acontecimento inusitado chamou atenção da letárgica e parcial imprensa brasileira, que fabricou mais de 200 notícias sobre o ocorrido.
A atuação da imprensa é algo a ser ressaltado quando se trata de crimes cometidos pela polícia. Ela não demonstra muito interesse pelo assassinato de pessoas pobres. Quando muito, se limita a reproduzir a versão oficial, isto é, a versão parcial contada pelos policiais. Em alguns casos, chegam até mesmo a distorcer os fatos, acusando de bandido perigoso pessoas que nunca se envolveram em crimes e não tiveram uma sequer passagem pela polícia, causando dor e humilhação aos parentes das vítimas. Os programas policiais de rádio da época (meados dos anos 70 e começo dos anos 80) eram especialistas nesse tipo de façanha. Os policiais, por sua vez, contam sempre a mesma história: a vítima abriu fogo contra os patrulheiros, que, sem opção, viram-se obrigados a revidar e atingiram fatalmente o infrator, logo socorrido no pronto-socorro mais próximo. Esse suposto “gesto humanitário” de socorrer a vítima, além de violar o local do crime, que deveria ser examinado pela perícia criminalística, pode ser facilmente contestado, pois a maioria das vítimas já chega morta ao pronto-socorro com tiros em regiões vitais, principalmente no peito e na cabeça, o que demonstra a clara intenção de execução. Alguns tiros apresentam “tatuagens”, que são órbitas de queimaduras que se formam em torno do orifício aberto no corpo da vítima pelo projétil. As tatuagens são indícios de que o tiro foi disparado à queima-roupa, o que descarta a hipótese de tiroteio. Por isso a perícia criminalística é tão importante, para desmentir a versão fantasiosa dos PM’s. Há casos em que as vítimas foram examinadas e não se constatou a presença de pólvora em seus dedos. O resquício de pólvora nos dedos é uma prova de que houve disparo de arma de fogo.
Cabe à Polícia Militar somente coibir o crime, prender o suspeito e levá-lo à julgamento, mas os homens da Rota parecem acreditar que são justiceiros envolvidos numa guerra suja cuja missão é eliminar o maior número de gente possível. Se forem criminosos, melhor ainda. Aliás, essa é uma prática comum na Rota: primeiro atira, depois suspeita. Os homens da Rota invadem domicílios sem mandado de justiça, executam pessoas inocentes sem antecedentes criminais suspeitas de crimes que não foram investigados e muito menos confirmados. Algumas operações são tão exageradas que trazem mais prejuízos do que benefícios à sociedade. Numa delas, a Rota mobilizou 100 homens na perseguição de um carro roubado. O saldo final foi um prejuízo quatro vezes maior que o valor do carro, contando o efetivo militar e os gastos com a burocracia judicial que conduziu 11 anos de investigações e no fim não ressarciu o proprietário do veículo.
Desde que foi criada, em 1970, até junho de 1992, a Polícia Militar havia matado algo em torno de 7500 a 8 mil pessoas. Essa cifra supera o número de mortes de qualquer revolta interna ou conflito externo no qual o Brasil esteve envolvido, com exceção da Guerra do Paraguai. Nesse ponto surge a inevitável pergunta: e porque esses matadores não são punidos? Porque eles não apenas são incentivados pelo Comando a matar, como também recebem prêmios, bonificações, prestígio e promoções na carreira de acordo com o saldo de vítimas. A justiça é conivente, os IPM’s (Inquéritos Policiais Militares) são feitos pelos próprios policiais militares, que acobertam uns aos outros e o hábito comum de saquear o local do crime dificulta as investigações da Polícia Civil, fator que contribui para a absolvição dos assassinos por falta de provas. A visão de segurança pública do Comando Militar é absolutamente deturpada. A crença é a de que a função da polícia é defender os bens de uma minoria rica contra o saque de uma maioria pobre.
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