quarta-feira, junho 16, 2004

Sebastianismo com macaxeiras

Talvez o traço mais forte do saudosismo português seja o apêgo da população ao incidente do Rei Sebastião, o bonachão que partiu para a guerra e nunca mais regressou. Desde então, os portugueses atribuiram uma espécie de título messiânico a Sebastião. Passaram a acreditar que seu querido Rei voltaria algum dia para exercer a tarefa de guiar seu povo rumo à prosperidade. Essa crença ficou conhecida como "Sebastianismo".
O sebastianismo resistiu as intempéries do tempo, atravessou gerações e oceanos até se assimilar definitivamente ao código genético de um povo latino-americano situado em sua maioria na zona intertropical e que se diz entre os mais carismáticos do planeta. O povo brasileiro.
É um traço típico da cultura brasileira creditar esperanças mil na figura de um governante que alça o posto de presidente da república. Talvez pela falta de informação, talvez por sua quantidade extrema, talvez pela penúria de um todo um povo, flagrante na barriga d'água das crianças com fome, talvez pelos rostos de desalento dos velhos que são tratados como carcaças humanas, talvez pelo costume de endeusar figuras mediante sua popularidade ou classe social, talvez pelo desejo geral de ver a corrupção generalizada e seus autores se afogarem no lixo de sua própria podridão. Não há uma explicação certa para o fenômeno. O que é certo é que ele existe e pode ser claramente reconhecido quando a população manifesta o seu descontentamento em relação a política governamental.
Esse descontetamento é compreensível, visto que não é possível converter distorções socias seculares em apenas quatro anos de mandato, ou realizar todas as promessas demagógicas lançadas nas campanhas eleitorais nesse mesmo curto espaço de tempo. Mas grande parte da população acha que tudo isso é , de fato, possível. Então, logo quando a política governamental dá o primeiro escorregão dos tantos outros que ainda estarão por vir, a auréola e o manto celestial, que, aos olhos do povo, fazem partem do semblante do presidente da república, se desfazem por completo. O sebastianismo foi vencido. Os olhos consternados miram o chão. Cabisbaixos. Agora é pensar no próximo governo, nos próximos quatro anos de governo. No próximo "possível" Sebastião. Será que ele virá?

Nenhum comentário: