
Com os olhos ainda remelentos e incapaz de distinguir eficientemente as formas, Brasil desperta e surpreende-se com o objeto depositado sobre sua barriga. "Será que...não...", não podia ser. "Mas é, é sim!", esfregando as remelas. "Um colar de pérolas". Só podia ser coisa do americano. Mas é lógico que era. Ele mesmo a proibira de ter outros amantes. "Como pôde esquecer desse pequeno detalhe Brasil? Sua besta." Mas a alegria durou pouco. O grande prazer estava justamente em abrir o pacote e desvendar o que havia na caixinha. Mas Brasil não teve nem mesmo essa sorte. O colar estava lá em cima de sua barriga, ríjido, seco, frio. O hábito de presentear tornara-se um costume. Mas servia apenas para dizer que ele havia de voltar para não perder o bonde, não jogar no lixo as pratas gastas. Voltaria, era certo que voltaria. Voltaria com a calça aberta e o bicho à mostra para executar o serviço corriqueiro.
Queria mudar de vida, fugir talvez. Mas era certo que logo o cabra estaria mordendo seus calcanhares e a traria novamente para a vida de regozijos forçados e penduricalhos caros. Presentes que apenas mascaravam seu semblante esquálido e catarrento. Que de nada adiantavam para tirá-la do buraco profundo no qual nascera e que parecia cavar com as próprias unhas dia após dia, talvez, na tentativa de encontrar uma cova no centro da Terra e lá se estabelecer. O inferno não devia ser tão ruim como diziam. Que inferno seria pior do que o próprio inferno terrestre em que vivia?
O americano pousou num cabaré de lolitas latinas cheirosas e Colômbia, uma das que comiam as migalhinhas na munheca dele, foi quem veio recebê-lo investindo com ronronares de um gato manhoso. "Está um tesão hoje, como sempre aliás.", disse o homem apertando a nádega esquerda de Colômbia, que logo deu umas risadinhas estacionando a mão no meio das pernas do parceiro num gesto convidativo para a tarefa que viera executar.
Vendo que não podia fugir de sua sina, Brasil foi aos poucos desenvolvendo uma estratégia que se trnsformou em sua arma de defesa. Criara o hábito da malandragem, o qual preferia chamar de 'jeitinho'. Driblava o amante (se é que assim o podia chamar. Simulava dores de cabeça, enjoôs, metia-se na rua, dormia onde não devia, dava seus pulinhos aqui e acolá enquanto o americano ia ficando com a pulga atrás da orelha. Mas ambos sabiam que as coisas não haviam de ficar assim. Brasil dava seus pulinhos mas não saltava o muro da prisão que a rodeava. Certa feita o americano entrou sorrateiramente no quarto da herege munido de um arco-e-flecha, enquanto ela ainda dormia com os braços repousados sobre o ombro do sujeito que a acompanhara na noite passada. Em uma flechada precisa o agressor acertou o pescoço do rapaz que caiu da cama convulsionando sem conseguir proferir uma sequer palavra. Os olhos esbugalhados e a língua apontada para o alto. Brasil tentou escapar pela janela mas o agressor tratou de dar-lhe uma coronhada na cabeça, fazendo a herege desmaiar. Ainda no limiar do sono e da realidade, sentiu suas roupas sendo arrancadas com tremenda pressa. As coisas haviam voltado ao "normal".
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