terça-feira, novembro 30, 2004

O fardo da pouca-vergonha

O primeiro trabalho escolar realmente sério que fiz na vida foi para as aulas de geografia, na sétima série. Lembro-me bem que o tio Tarcísio nos mandou realizar uma entrevista com algum político da cidade, abordando logicamente política, e também eleições presidenciais, com alguma referência à administração dos sistemas públicos em Campinas. Como qualquer moleque de 13 anos, vagabundo, classe média alta, que há pouco aprendera a bater punheta e descobrira o maravilhoso mundo do Mario Kart 64, deixei a empreitada para última hora. Meus colegas de grupo, acredito eu em igual situação, fizeram o mesmo. Na data combinada para a entrega, faltamos à aula e rumamos para a "Câmara dos Vereadores" em busca de qualquer material tosco que ludibriasse o professor, rendendo assim uma nota passável.
Eu não fazia a menor idéia do que era uma Câmara de Vereadores. Confesso que até hoje tenho minhas dúvidas e desconfianças em relação à real função do poder legislativo. Entretanto, saber ou não o papel de um vereador dentro da sociedade democrática não importava. O que importava era achar um político disposto a responder perguntas de ingênuos garotos de 13 anos. Não posso dizer, porém, que foi uma tarefa difícil. Políticos, em sua maioria, têm uma ânsia incontrolável de mostrarem-se úteis à sociedade. São dotados de um transbordante carisma social que, quando explorado, extravasa em laboriosos discursos demagógicos. Seria bom se eles ao menos soubessem sobre o que falam, ou sabendo, falassem de modo conciso. Lembro-me que naquela tarde (tarde, por que agora percebo que ninguém ali tinha interesse em trabalhar de manhã) ouvimos uma avalanche de discursos patéticos, com idéias de desconexas, que até aos ouvidos de uma criança de 13 anos pareciam idiotas. Aquele tipo de resposta que começa por "Veja bem..." e termina com "vocês devem entender que os índices Nazdak da corregedoria de Chicago não condizem com a paráfrase do mundo globalizado na União Soviética". Traduzindo: "Não faço a menor idéia do que estou falando, mas me importo com o juízo que menininhos de sétima série, que só agora descobriram a real utilidade de suas mangueirinhas, fazem de mim". Patético, de fato.
Patético, entretanto preocupante. Observando os resultados das eleições municipais de 2004, percebo que devido à incapacidade humana de realizar escolhas importantes, ou a simples falta delas, estamos fadados a perecer nas mãos do mesmo sistema de administração pública por um bom tempo. A propaganda de segundo turno do candidato tucano Carlos Sampaio me mostra bem isso. Se não me engano, ele tinha o apoio de 17 vereadores eleitos (maioria na Câmara), todos pertencentes à mesma curriola que encontrei no meu trabalho de seis anos atrás. Se ele de fato tivesse ganhado a eleição, teria tanto poder quanto um general espartano. É até tenebroso pensar (e essa imagem não me foge da cabeça) no que faria com um poder desses, um cara que para mim começou sua carreira batendo de porta em porta, às 2:00 da madrugada, com um terno de risca de giz e uma capa de violino debaixo do braço à mando do patrão. E correm soltos os boatos sobre um provável envolvimento dele com o tráfico de drogas em Campinas. Bem, mas a mim não cabe colocar em xeque a complexidade das atividades da favela do São Marcos. O que importa é que o Dr. Demagogia (Hélio dos Santos) derrotou o cavanhaque-jovial de Carlos Sampaio de forma exemplar no segundo turno. Como meu candidato obteve apenas um desmerecido 3° lugar no primeiro turno, comemorei a vitória de Hélio no segundo. Não sei, porém, com qual razão o fiz, pois agora percebo que tanto esse como Sampaio são as mesmas idéias, representadas por máscaras diferentes.
Mas por que falar da situação política campineira em um blog da rede mundial de computadores? Simplesmente por que o assunto é universal. Hoje, no Brasil, vivemos sob a vontade de um tal de José Dirceu que com seu monumental poder, molda e remolda o sistema político nacional à sua imagem e semelhança. Ainda por cima da carne-seca, mas agora com menos poder que outrora, por oito anos foi a vez de Antônio Carlos Magalhães fazer o mesmo. Indo além do território brasileiro, lembro que a mais poderosa nação do mundo, os Estados Unidos da América, reelegeu o que já se convém chamar de "o maior filho-da-puta da história contemporânea". Há alguns anos atrás, a França, país dos "bons modos" e ícone da civilidade Européia, por pouco não selou compromisso com um xenófobo de marca maior, maester Le Pen. E isso eu lembro para não citar a história passada do século XX, uma sucessão de escolhas mal feitas (ou, novamente, falta delas) que apenas a vetustez do tempo poderia explicar com perfeição. Hobbes disse que o homem é um animal político. Mas de que adianta ser político, se os interesses são quase sempre unilaterais, e as opções quase sempre as mesmas?

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