quinta-feira, março 31, 2005

Meus pensamentos desconexos

Vamos entrar na onda e fazer também algumas reflexões sem contexto ou propósito.



Olho pela janela da sala de aula e vejo um rapaz fortinho, desses que se modelaram à base de muito ferro e winstrall, sair do carro. Como se não bastasse a cara típica de perdedor, o gajo exala apatia e desilusão inenarráveis. Abre-se a porta traseira, desce uma mulher. Logo vejo o que tornou broxante a imagem do antes zombeteiro, "malandro" e ouriçado playboy: ela carrega um bebê nos braços. Entrega-lhe no colo. Ele segura a criança, com cara de culpa, mantendo os ombros curvos e o ar inerte. Não mais do que 22 ou 23 anos, ela caminha sorridente. Conseguiu um "pau" para "amarrar o jumento". Veio para a faculdade mostrar o filho para as companheiras de curso. Ele vem atrás, carregando o menino, futuro certo de uma nação incerta. Crianças de vinte e poucos anos, acostumadas com as mimagens da mamãe, o dinheiro do papai e principalmente com o descompromisso, não enxergam alegria nas coisas mais belas da vida. Como ele queria que ela tivesse optado pelo aborto... Como eu queria ter passado na USP...

""*""

Não acho uma palavra, nem consigo explicar muito bem o que é. Não é ódio, não é raiva. É um comichão de inconformidade que cresce no meu interior, corroendo as paredes do estômago sem causar de fato uma úlcera. Comportamento irritante desse grupo, que de uma hora pra outra passou a acreditar que a vida é um desenho animado de olhos gigantes, traços pobres e animação deficiente. Não desmereço aqui a principal contribuição japonesa para a cultura infanto-adolescente do século XXI. Desmereço a parte da cultura infanto-adolescente que abstrai o mundo e crê veemente que faz parte de um universo particular de células plásticas de animação, que considera J-Pop e J-Rock boa música, que fica inconformada quando alguém não chama a animação japonesa de "anime", que passa o dia inteiro tentando pegar Naruto no BitTorrent, que fica pê da vida e descarrega a ira no computador quando não consegue, que deita e chora toda noite por não ser japonesa. Aposto que Akira Kurosawa não se tornou um dos maiores diretores de filmes de arte da história idolatrando a cultura alheia.

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Há algum tempo atrás, minha casa recebeu novos moradores. No começo, o barulho dos então desconhecidos me incomodava, me dava medo, fazia-me imaginar que certo dia eu dormiria e não acordaria mais. Aí descobri que maritacas (aves verdes semelhantes à papagaios) habitavam o forro. São sete delas pelo que me consta. Fazem uma barulheira dos infernos, mas quando pousam na fiação elétrica ou nos galhos do abacateiro, é bonito de contemplar. Não fazem caso do mundo, não se preocupam com nada, não se estressam com futilidades. Vivem apenas do prazer de viver, numa alegria incessante. Lembram-me de minha infância...

""*""

Comecei a ficar transtornado, me achando incapaz de comprar meros periféricos de computador. Era na cabeça uma sensação ruim, daquelas em que você tenta se concentrar numa tarefa simplória qualquer mas não consegue, por que ao fundo alguma coisa chama sua atenção. Olhei para trás e vi uma criança, algo em torno de 7 ou 8 anos, agarrado às calças do pai com uma cara chorona, implorando em voz estridente por um jogo eletrônico qualquer. Um som surdo. O tapa acertou em cheio a orelha esquerda do miúdo. Antes que ele pudesse esboçar reação, os dedos fortes e habeis torceram o lóbulo para cima. Não chorou. Sabia que havia mais de onde aquele viera. A paz retornara, "os céus se misturaram com a terra e o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas". Escolhi o teclado, paguei, saí.

""*""

Um adolescente passa pela porta do sindicato e para em frente à escadaria de acesso. Ele usa cabelos compridos, roupas pretas, braceletas de couro com espinhos prateados e um coturno de exército. O relógio marca 28 gaus.
_ Existe idiota pra tudo.
_ Ou existe tudo para idiotas?
_ É, isso também.

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