
A visão reducionista de mundo que concebe o homem como uma máquina e o mundo como um mero relógio é vazia, simplificadora e irreal, embora persistente. Foi adotada a partir da colaboração do filósofo René Descartes no século 18 e permanece impregnada teimosamente no imaginário popular. Em nome do racionalismo cartesiano, a espiritualidade é rechaçada para corroborar o cientificismo, e a valorização do paternalismo ofusca a voz feminina dentro do meio social. Valores tipicamente machistas tais como expansão, confronto, agressividade e competição são elevados a uma categoria superior de status. Tanto que profissões que se beneficiam dessas características são tidas por mais "nobres", caso do grande mundo dos negócios. Enquanto isso, valores femininos como passividade, silêncio e intuição são prontamente desprezados. Vê-se uma predominância de mulheres em profissões que tem em sua base essas características (caso da enfermagem), e que, portanto, ocupam um nível inferior dentro dos modelos patriarcais que regem o meio social. Em função disso, Marx uma vez observou corretamente: "Em todas as sociedades, a libertação da mulher é a libertação da humanidade como um todo".
O impasse entre economistas reflete de uma maneira geral o impasse do modelo econômico em exercício. Os economistas pecam no mesmo ponto ao defender o ideal da expansão ilimitada. Parece ser consenso generalizado no ramo econômico, que a busca por melhorias na economia de um país e a geração de riquezas, só pode ser alcançada por meio de um crescimento econômico constante. Conceber a expansão material ilimitada em um planeta onde os recursos são finitos, só pode levar a um colapso generalizado. Essa concepção errônea imagina o homem como um ser todo-poderoso capaz de domar e modificar a natureza de acordo com seu bel-prazer e necessidade. O homem é, antes, parte da natureza e não um filho superior da grande mãe gentil. O ideal reducionista leva a humanidade a encarar a natureza como se ela fosse uma simples progenitora generosa, comprometida em fornecer os recursos necessários à vida humana. Mas que filho bastardo é esse que avilta, esburaca, polui, envenena e mata sua mãe para patrocinar um modelo de vida mesquinho?
Nesse ponto encaixa-se a teoria da entropia. Essa concebe que um sistema físico fechado tenderá a um grau crescente de desordem. É de certa maneira o que vem ocorrendo com o planeta Terra sob a influência do ser humano. Embora os sistemas vivos tenham uma capacidade inata de auto-regulação - e a Terra é um sistema vivo - o planeta já não dá mais conta de se auto-regular, tamanha é a contribuição nociva da atividade humana. O ideal de consumismo irrefreado produz um sem-número de produtos de péssima qualidade desnecessários à vida ao custo de um grande desperdício de energia e recursos naturais, mas que são incutidos no imaginário popular por meio de um fetichismo narcotizante através de campanhas publicitárias, as quais, vale lembrar, custam bilhões de dólares que poderiam estar sendo convertidos em ajuda social direta para áreas de extrema carência social em todo o mundo. Em um nível ainda mais elevado, chega à casa dos trilhões a quantidade de dinheiro investido em materiais bélicos.
Um levantamento modesto estima que existem pelo menos 50.000 armas nucleares (de capacidade de destruição bem superior às bombas de Hiroshima e Nagasaki) atualmente no planeta. Após o colapso da União Soviética, a elite científica do ramo nuclear russo era tão mal paga, que os cientistas não tinham condições de nem ao menos comprar roupas decentes. Em uma situação como essa, não seria muito difícil para um grupo terrorista mediano adquirir algumas ogivas nucleares direto da linha de montagem russa. O Plutônio, substância componente de armas nucleares, é um dos isótopos radioativos mais perigosos, sendo que a ingestão de menos de um micro grama desse isótopo pode causar câncer letal. Uma pequena quantidade de Plutônio depositada na bomba que causou o atentado de Oklahoma já seria suficiente para tornar a cidade inabitável por pelo menos 100 anos. Mesmo assim, o ser humano insiste em influenciar a "energia limpa" construindo mais e mais usinas nucleares. Um único reator de uma usina nuclear produz cerca de 230 kg de Plutônio por ano, que acaba virando "lixo nuclear". O lixo nuclear é um problema de grandes proporções, não apenas porque o tempo de meia-vida do Plutônio é de cerca de 240.000 anos, mas porque a manipulação desse material não segue os requeridos cuidados e o vazamento de lixo tóxico chega a ser algo comum. Esse modelo energético de elevado custo social gerará energia para a posterior produção de mercadorias, que, em sua grande maioria, são igualmente aviltantes.
É interessante observar a perniciosidade das campanhas publicitárias. Enquanto assistimos a toda sorte de crimes escabrosos (gerados pelo modelo social doentio que criamos e perpetuamos) no "shownarlismo" televisivo - que mais é um festival de horrores que um veículo de informação - os comerciais mostram gente despreocupada e contente ostentando o produto do anunciante. Por tudo isso, esse método de vida doentio só pode levar o organismo a constantes avarias. Fala-se inclusive em "doenças da civilização", tais como câncer, diabetes e obesidade, originadas a partir do estilo de vida equivocado que tem se cultuado. Infelizmente, nossos sistemas de saúde compartilham da mesma ótica míope de mundo reducionista que norteia os paradigmas reinantes. A mesma publicidade, estabelece a noção de que a saúde não é possível senão através da constante ingestão de medicamentos, bem como a constante supervisão de um médico. É subentendido que o corpo é uma máquina e o médico um mecânico que entra com a ferramenta curandeira em casos de defeito no sistema. A possibilidade da manutenção saudável do organismo através de dietas equilibradas e atividades físicas e intelectuais salutares fica em segundo plano. Para a medicina chinesa isso é um tremendo equívoco. A função do médico chinês é auxiliar seu paciente a manter-se constantemente saudável, o que corresponderia ao exercício de uma vida igualmente saudável. Se o corpo adquire uma doença, é porque estava debilitado naquele determinado momento. O ideal seria minimizar ao máximo essas debilitações. Intervir com remédios em corpos já doentes seria o mesmo que começar a cavar um poço depois de já flagrada a sede. Nada mais justo que cobrar das grandes empresas essa "dívida social", uma vez que são justamente suas atividades comerciais que oneram tanto a integridade da saúde humana. Não apenas a visão médica deve mudar, mas a visão que os não-médicos fazem de seus estilos de vida. Prefirimos aceitar o câncer ao invés de reconhecer que as indústrias alimentícias envenenam nossos alimentos no afã de maximizar seus lucros. Prefirimos aceitar desculpas tais como a "hiperatividade infantil" ao invés de reconhecer o defeituoso sistema de educação que impomos às nossas crianças.
Empresas socialmente responsáveis simplesmente não existem. Para se considerar socialmente responsável, uma empresa teria que simplesmente fechar suas portas e encerrar suas atividades. Um fenômeno interessante foi o surgimento das ONG's (Organizações Não Governamentais). As ONG's exercem uma atividade importante no complexo sistema social atual, preenchendo enormes lacunas deixadas à míngua pelo Estado. Mas existe um ponto omisso nessa situação. O ato de empresas doarem certas quantias em dinheiro às ONG's é, na verdade, uma tática sinistra do modelo capitalista para se adequar a novas realidades. Esse é apenas um paliativo para distribuir a enorme quantia de capital acumulado nos caixas empresariais, de modo a auxiliar setores carentes da sociedade, fazendo com estes não cheguem a um nível de penúria extrema e não tencionem o sistema.
É possível presenciar o caminho que vem sendo trilhado, mesmo que timidamente, rumo à mudança de paradigmas. Ideais holísticos e salutares, como o Yoga e a ideologia corporal de Reich - para citar apenas dois de muitos exemplos - bem como o crescimento das conquistas do movimento feminista, vem conquistando entusiastas preocupados em levar uma vida mais saudável. Possivelmente, a crescente desordem e perniciosidade do sistema social em exercício, poderá influenciar um número cada vez maior de pessoas a se emanciparem dessas correntes comportamentais que apenas atravancam a construção de um mundo mais edificante. Essa mudança deverá envolver setores estratégicos da sociedade. A mídia, por exemplo, que alcançou tal nível de repercussão e poder em meio a sociedade de informação, certamente terá que abdicar do jornalismo sensacionalista estilo "mundo cão". Seria mais interessante que os meios de comunicação usassem seu grande poder de persuasão para inculcar valores saudáveis na sociedade, e não apenas perpetuar de forma tácita os escabrosos acontecimentos que nos rodeiam, contribuindo apenas para perpetuar o status-quo em questão. A atividade publicitária deveria ser proibida de publicar comerciais vazios que também se destinam a apenas defender a continuidade do modelo social predominante. A mudança de paradigmas é fundamental para a continuidade da espécie humana, bem como do planeta Terra. Não considerar isso, é o mesmo que ser cúmplice de um auto-assassinato vagaroso e contínuo.
Esse texto foi escrito a partir da leitura do livro "O Ponto de Mutação" do austríaco Fritjof Capra. Uma obra brilhante e fundamental para todos aqueles que pretendem melhor entender o mundo que nos cerca.
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