segunda-feira, junho 13, 2005

Movimento



A partir do momento em que a física moderna se deparou com a atividade de averiguar o infinito mundo microscópico das partículas, um horizonte completamente novo se abriu diante dos olhos da ciência. Já não era mais possível explicar esse complexo universo particular do subatômico partindo das leis da física clássica enunciadas por Isaac Newton. Uma nova e radical abordagem se fez necessária. Conceitos já tão ligados à nossa compreensão superficial da natureza, tais como “espaço”, “tempo” e “partículas” tiveram que ser abandonados. Espaço e tempo não caminham separados e as “partículas” sob a forma de nêutrons, elétrons e prótons não são os “blocos básicos” de construção da matéria como ainda teimam em ensinar as escolas. Existe todo um universo de “sub-partículas” que se comportam de maneira interligada e cuja explicação está além de uma compreensão inteligível - até porque isso seria impossível, dado que o estudo de um evento necessariamente implica o entendimento dos demais eventos, uma vez que estão todos ligados. O universo se apresenta como uma teia de relações extremamente complexa, e os cientistas descobriram isso durante suas pesquisas sofisticadas ao longo do século XX. O misticismo oriental já havia enunciado diversos conceitos com os quais a ciência se deparou apenas recentemente.
Os místicos orientais estão interessados em uma abordagem plena da quintessência cósmica, a qual despreza qualquer interpretação racional. A realidade última estaria além das palavras e dos símbolos, que não passam de criações da mente humana para codificar e estruturar o seu meio social. Os hindus atribuem o nome “maya” a esse tipo de estado de consciência racional e pragmática que rege a sociedade. Maya quer dizer ilusão, o que não significa que nosso mundo é ilusório, mas que é ilusório pensar a realidade por meio da atribuição de valores, códigos e sentidos às “coisas”, como se o mundo fosse um palco de eventos estáticos e bem-estabelecidos. Paradoxalmente, o mundo se apresenta como algo extremamente complexo, fluído e dinâmico. Os budistas chamam esse mesmo estado de consciência de “avidya”, ou ignorância, de tal maneira que este é dissolvido na medida em que um estado superior de consciência é atingido.
"Poderá a natureza ser realmente tão absurda como aparentemente se apresentava nesses experimentos atômicos?." Essa foi a pergunta que o físico Heisenberg se fez ao se deparar com a tamanha complexidade do mundo subatômico. É comum que a natureza se apresente de tal maneira absurda quando passa pela análise do intelecto. Os místicos sempre reconheceram isso, mas para a ciência esse foi um choque recente. O método cientifico busca a elaboração de teoremas claros através de seu crivo investigativo, empenhando-se em decifrar as "leis fundamentais da natureza", as quais acreditava a física clássica ter realmente elucidado. Mas na medida em que a ciência moderna mergulhava cada vez mais profundamente na investigação do mundo microscópico, essa idéia mecanicista caiu por terra. Os átomos - que acreditava-se serem indivisíveis - são formados por elétrons e por um núcleo constituído por prótons e nêutrons, mas além desses últimos existem inúmeras sub-partículas atômicas ainda menores e assim por diante. Dessa forma a ciência ultrapassou os limites da imaginação sensorial e levou os cientistas a terem que lidar com algo que se mostra paradoxal, ou, muitas vezes, ininteligível.
Partículas podem ser transformadas em outras partículas, podem ser criadas a partir de energia ou se desfazer em energia. Esses experimentos são realizados em imensos aceleradores de partículas, os quais elevam a velocidades próximas as da luz prótons e nêutrons fazendo-os colidir uns com os outros. Através dessas colisões geradas a partir de energia cinética (relativa ao movimento), partículas são criadas
e sobrevivem por períodos de tempo inferiores a um milionésimo de segundo, e depois se desintegram novamente em prótons, nêutrons e elétrons. Conceitos como "partículas elementares", "substância material" ou "objeto isolado" perdem o sentido em meio a esse universo particular. Isso demonstra a impossibilidade de explicar um fenômeno inerente às partículas partindo-se de um ponto isolado, sem se considerar o conjunto como um todo. Esse aspecto fragmentado e mecanicista de estudo científico é a base do método cartesiano, paradigma ainda predominante em nossa sociedade, mas que, como mostrou a física atômica, torna-se ineficaz para lidar com um mundo tão dinâmico como o que nos cerca.
Um mundo dinâmico e em constante mudança sempre habitou o imaginário dos místicos orientais. As concepções do taoísmo, base do pensamento chinês, nos revela esses padrões cíclicos de mudança incessante. “O retorno é o movimento do Tao”, afirma o sábio milenar Lao-Tsé. A mudança do dia para a noite, a sucessão das estações do ano, dos ciclos de chuvas; todos são padrões cíclicos de mudança. Os chineses acreditam que quando algo atinge o seu extremo, este é forçado a assumir a forma de seu extremo oposto. O “yin” retrocede em favor do “yang” e vice-versa, de modo a atingir-se um equilíbrio pleno. Assim, os chineses se mostram cautelosos em tempos de prosperidade, e obstinados e perseverantes quando em dificuldades. A moderna sociedade industrial ignora esses conceitos sábios de tradição milenar, e, na busca pelo “progresso” constante e buscas incessantes por “melhoras no padrão de vida”, acaba aviltando a própria vida e registrando quedas sucessivas nesses mesmos padrões.
Se olharmos para nosso entorno macroscópico, o mundo nos parecerá de fato estático e imutável. Uma pedra em repouso é vista como nada mais que um corpo inanimado. Mas se essa mesma pedra for investigada em termos microscópicos, desacortina-se toda uma rede de eventos em que suas partículas componentes estão em constante movimento. Assim como os hindus enxergam o universo regido pela dança cósmica de Shiva, o mundo atômico também segue “dançando”. A eterna dança do universo.

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